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26/04/10

Raio Verde I

a M. A.

O Teu olhar, a quem o sente ofusca...
E, crê, tão só ofusca como cega.
!Coitado d'Esse que uma vez o busca!
Jamais, em Vida, dêle se desprega.

O teu olhar atrai...Atrai e fere.
E, a luz, que dêle jorra e nos deslumbra,
tanto o Amôr e a Graça nos confere
como p'ra sempre nos deixa na penumbra.

Atrai...como Perigo p'ro abismo.
E fere ...até ao imo o Coração.
É Raio Verde...e pode ser Ocaso.

Triste, por isso, muitas vezes cismo

na sorte d'Esse (e minha?por que não?)
que distraida olhaste por acaso.

Versos estranhos,1940
António Vieira Lisboa

Raio Verde II

a M.A.

Teus olhos ferem como dois ponhais de luz...
luz que nos atravessa o Coração.
O que sugerem de intima emoção
no verso frouxo já se não traduz.

Dêsde que um dia os olhos nêles puz,
puz, neste caso, é força de expressão,
o que houve foi magnética atracção
à qual (nem que quizesse!...)não me opuz.

Desde êsse dia cujo aroma evoco...
desde aí, nunca mais tira-los pude,
num esquecimento bom que em Mal só troco.

E a vê-los !como o Tempo a Tempo a gente ilude!...
Assim m?iluminassem com seu foco

Versos Estranhos, 1949

a estrada longa desta Vida rude

23/04/10

Morte de um sonho

Ide viver depressa como o vento...
Ide viver a vida onde eu a ponho...
Antes que te mate o Sonho,
antes que viva o Sonho em pensamento.

Ide viver a vida de improviso
no mesmo rítmo da Imaginação.
A vida só é longa em rude piso
e o piso é brando em vosso coração.

Ide viver a vida sem um escôrço...
Um plano é virus que corroe e danifica.
Se em plano põe-se todo o interêsse
o que é que fica?
Não corresponde a Realidade ao esforço.
Tudo em caminho de dilue, fenece.

Ide viver num ímpeto, sem parar.
Ide viver sofregamente...
Antes que o Sonho fique por sonhar.

Que o Porvir seja imediatamente
logo Presente,
Presente provisório e promissório
doutro Porvir apenas transitório.

O Sonho é só o que está por ir...
futuro que se crê não ilusório.

Ide viver depressa,
fora de vós
dentro (enfim)
do Teu viver veloz,
como só quem começa
o que não pensa que há-de ter um fim.

Ide viver sem um projecto
antes que nele sonhe o Sonho.
Não pode ser o Sonho o fim, o objecto...
mas como um rio que não tenha foz.
Tem que realizar-se a si com estranho afecto.
Não pode ser preconcebido
pensando antes.
Se, ao Sonho, o pensamento teu anteponho
é sonho ido.
O Sonho e o Pensamento devem estar em vós
equidistantes.

Ide viver a vida num impulso
da mocidade...
depressa, sem tomar o pulso
à Realidade,

Deixa-Te dêsse «Parecer» tristonho
que dentro em ti um Sonho
alegre encontras.

Ide depressa vê-lo.
A vida a cálculo com prós e contras
é um pesadêlo...
É uma imagem aflitiva
que o coração nos corta...
A cópia morta duma coisa viva
ou um «retrato de pessoa morta».

A Tua vida é desbotada, lívida...
Resignação é o seu suporte.
A Tua vida é uma imagem rígida
da longa espera para a morte.

Tu assim ficas sempre, àquem da vida,
com Teu viver retardatário.
(O Egípcio vai além do Templo em múmia
quási sem morte na jazida)
A Tua vida "sem viver" resume-a
a fôlha sêca à força num herbário.

Ide viver o Teu viver tão vário.
Ide tomar o ar ...o ar risonho.
Ide viver a Vida só dum Sonho.

Ide viver o Teu viver forâneo
Entontecido pelo Teu contacto.

Ide viver a Vida só dum jacto
Não faças dela um triste sucedâneo.

(Autor desconhecido)

20/04/10

Na Areia Enterrado Jaz

Na areia enterrado jaz
meu coração infeliz.
O rio como Ela faz,
o rio tambem não quiz.

Mas essa palavra dada
por Ela em certo momento
pelo vento foi levada...
Só não foi o esquecimento.

Quem me dera tambem ir-me
lá apanhado de chofre,
com o coração que sofre
pode ser ao amor tão firme.

Ir-me aí pela corrente,
rio abaixo até à foz,
sem ter tempo, de repente,
de inda me lembrar de vós.

 Vieira Lisboa